3 de novembro de 2015

Luto é um processo, não um evento

MARIA HELENA PEREIRA FRANCO
ESPECIAL PARA A FOLHA 

A SAUDADE nos leva a visitar a relação que tínhamos com nossos queridos que faleceram. 

Essa visita nos fala ou relembra aquilo que dá significado à vida para muitas pessoas: a existência de um vínculo forte com alguém que, quando rompido, gera o luto. Falar de luto hoje é falar das nossas possibilidades de fazer, desfazer e refazer laços. 

Não podemos falar com precisão sobre uma sequência de fases do luto. A pessoa enlutada, com frequência, encontra outras que adotaram crenças rígidas sobre o que deve ser experimentado nessa jornada ao longo do luto. 

Essas crenças podem afetar profundamente o processo individual natural. Podemos encontrar respostas de desorganização, medo, culpa mas também podemos não encontrá-las. As emoções podem seguir-se umas às outras com intervalos curtos ou até mesmo duas ou mais emoções podem estar presentes ao mesmo tempo. 

Cada pessoa fica enlutada de sua maneira. O luto é uma experiência pessoal e única. 

Como resultado dos valores contemporâneos, as pessoas enlutadas são encorajadas a rapidamente deixar para trás o luto. Como resultado, temos duas situações: ou o enlutado vive seu processo isoladamente ou se força a abandoná-lo, antes mesmo de tê-lo completado. Amigos e familiares, bem-intencionados, mas desinformados, tentam fazer com que a pessoa enlutada desenvolva autocontrole, entendendo que essa é a resposta adequada. 

As pessoas se perguntam quanto tempo dura o luto, como uma confirmação de que estão no caminho certo. Essa pergunta é diretamente relacionada à impaciência que nossa cultura tem com o pesar e o desejo de sair logo da experiência do luto. Um exemplo disso é a pressão que o enlutado sofre, logo após a perda, para voltar à atividade normal. 

O luto passa a ser visto como algo a ser evitado, e não como algo que precisa ser vivido e que trará possibilidades de reconstrução. Mascarar ou fugir do luto causa ansiedade, confusão e depressão. 

Viver o luto não significa passar por ele, significa crescer por meio dele, para renovar o senso de confiança e a energia, para reconhecer a realidade da morte e a capacidade de se tornar envolvido novamente. O luto é um processo, não um evento. 

Além de entender na mente, vai entender no coração: a pessoa amada morreu. A dor sentida vai deixar de ser onipresente e aguda para se transformar em um sentimento de perda que pode ser admitido e que dá vez a um significado e um propósito renovados. 

Embora a pessoa que morreu jamais venha a ser esquecida, a vida pode e deve continuar a ser vivida. A perda é para sempre, o luto não. 

MARIA HELENA PEREIRA FRANCO é psicóloga, professora titular da PUC-SP e coordenadora do LELu (Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto), da mesma universidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário