30 de janeiro de 2016

Chuva no Mar


Coisas transformam-se em mim...


CHUVA NO MAR
Marisa  Monte
Letra: Arnaldo Antunes

Coisas transformam-se em mim,
É como chuva no mar,
Se desmancha assim em
Ondas a me atravessar,
Um corpo sopro no ar
Com um nome p’ra chamar,
É só alguém batizar,
Nome p’ra chamar de
Nuvem, vidraça, varal,
Asa, desejo, quintal,
O horizonte lá longe,
Tudo o que o olho alcançar
E o que ninguém escutar,
Te invade sem parar,
Te transforma sem ninguém notar,
Frases, vozes, cores,
Ondas, frequências, sinais,
O mundo é grande demais.
Coisas transformam-se em mim,
Por todo o mundo é assim.

Isso nunca vai ter fim.

29 de janeiro de 2016

Alheia...

Em uma das sessões de terapia, comentei que eu me sentia como alguém à parte da grande festa do mundo.

Às vezes eu me sinto assim, alheia... Como se nada fizesse sentido.

É bem difícil explicar em palavras.

Esse texto, embora curtinho, explica um pouco: "Eu vejo o mundo de outro lugar".

Mas a imagem abaixo, diz tudo:


28 de janeiro de 2016

A realidade é que, num dia enfrento tudo da melhor maneira,
sentindo orgulho de mim mesma...

Esperança

No outro, eu me pergunto como sobreviverei a esse vazio tão profundo.

É o momento do mergulho da alma


27 de janeiro de 2016

Chá de bebê da prima do Henrique e da Helena

Fiz esse caderno de recados para os familiares e amigos escreverem pra Sophie...

Dediquei a letra de uma música que conheci apenas recentemente,

muito linda e singela.

A preparação à sua chegada

 deve ser repleta de amor, acolhimento e alegria...



Você que vai chegar
Flávia Wenceslau

Você que vai chegar 
Eu tenho histórias e lugares para te levar
Você que vai nascer 
Há tanta gente te esperando para só te querer
Qualquer estrela, qualquer riso, qualquer coisa linda que você fizer
Perfumará de mais amores nossas pétalas de paz e bem-me-quer

Será mais linda nossa vida 
E toda nuvem que se apronta pra chover
Serão nas cores do arco-íris 
Todos os desenhos feitos pra você
Meu coração agora bate no compasso de tocar na tua mão
E a mais pura naturalidade me parece sem explicação

26 de janeiro de 2016

Carta ao meu corpo

Olá!

Faz tempo que não conversamos...

Desculpe por não explicar o que aconteceu com você e comigo.

Nós,  mais uma vez, geramos uma vida.

Foi tudo tão repleto de alegria que pouco nos importávamos se era menino ou menina.

Mas, então, soubemos que a Helena se formava enquanto a gente se transformava.

Fizemos um ótimo trabalho. Cada desconforto foi acolhido amorosamente para bem gerar nossa bebê.

Cada célula vibrou amor. Helena nos alimentava com sua luz, e essa relação de troca foi harmoniosa do princípio ao fim.

Um imprevisto, ou fatalidade, aconteceu sem que pudéssemos fazer qualquer coisa a respeito.

Tudo estava muito bem até aquele momento em que percebemos que a Helena não se movimentava.

Eu não podia compreender, mas acho que você já sabia que ela estava morta.

Foi tudo tão inesperado, não foi?

Entramos em trabalho de parto, mas precisamos passar por uma cirurgia.

Helena nasceu em silêncio.

Um silêncio sem fim...

Tivemos pouco tempo com ela, desde então. Pouquíssimo tempo para nos despedir e poder assimilar que não a teríamos mais.

Nós tivemos leite. Às vezes acordávamos à noite pensando que tínhamos alguém para cuidar.

Nós doíamos no ventre...

A primeira menstruação chegou num choro compulsivo.

Pessoas nos abordaram pensando que ainda tínhamos uma vida sendo formada.

Há pouco tempo, percebo que tem sido difícil para você compreender que não estamos mais grávidos.

Não é culpa sua... Somos unos...Queríamos que fosse diferente.

Mas essa carta é para esclarecer tudo a você, libertando-o do estado em que está.

Querido corpo, a Helena se foi e não voltará. Ela não está mais conosco e podemos encontrá-la apenas de forma sutil.

Por isso ultimamente tenho dito que podemos vibrar num estado de não gravidez.

Sou tão, tão grata ao que fez por nós...

Muito obrigada por se entregar e ajustar de forma tão plena e amorosa a essa gestação.

Aquele esgarçamento... bem... quem pode saber exatamente o que provocou?

No entanto, se não está claro, é porque também foi uma fatalidade.

Somos completamente perdão, acolhimento e compreensão.

Está tudo bem agora.

É o tempo da recuperação. De se restabelecer do belo trabalho que fez, e também de cicatrizar a perda da nossa Helena tão querida e amada.

Você está bem. Nós estamos bem. Tudo ficará bem.

Eu amo você.

22 de janeiro de 2016

Sofrer

Quando passamos por situações extremamente difíceis, como essa que estou vivendo agora, um dos "conselhos-chavões" é que devemos superá-las. E isso significa não sofrer.

A palavra de ordem é sempre superação, mas como fazer isso se o coração e a alma gritam de dor?

Há algum tempo não exijo isso de mim, e então a experiência se tornou mais leve (embora triste).

Quando me deparei com a seguinte frase do "mestre" C. G. Jung, percebi que estou no caminho certo... Sincronicidades definitivamente nutrem a minha alma:

"O sofrimento precisa ser superado, 
e o único meio de superá-lo é suportando-o."

Carl Gustav Jung

Esse pensamento dá uma impressão negativa, mas na verdade é libertador.

Não há nada, absolutamente nada, que se possa fazer quando a alma foi despedaçada. Apenas se permitir chorar, enxergar onde foi parar nossos pedaços e ter tempo para reuni-los. Lamber as próprias feridas, enfim.

Existe muita energia envolvida em suportar uma grande dor. Não é humano sobrecarregar o coração com o dever do não-sofrimento.

21 de janeiro de 2016

Canção da Esperança

Recebi esse presente da Ju...

A morte da Helena precede o nascimento da esperança.

Uma canção para ouvir assistindo o mais belo pôr-do-sol:

Aquele que mora dentro do coração


Canção de Esperança
Flávia Wenceslau

A Esperança
Tece a linha do horizonte
Traz tanta paz
Em reluzente e doce olhar

Que nos conforta
Quando o mar não é tão manso
Quando o que resta
É só o frio sem luar

E nasce leve, devagar
Em uma canção de ninar
Que nos acolhe pra dizer
O Amor jamais deixou você

Oh, Esperança
És para sempre, sempre viva
Te ofereço a minha casa pra morar
Nos meus sentidos
Quero ter os teus conselhos
Na minha voz
Eu quero sempre ir te encontrar

Se alguma coisa eu temer
Estou contando com você
Pra me dizer ao me acalmar
Que o amor jamais me deixará

E nasce leve, devagar
Em uma canção de ninar
Que nos acolhe pra dizer
O amor jamais deixou você.

20 de janeiro de 2016

A mãe órfã

Lutos mal elaborados também matam
ELIANE BRUM
12/04/2010

Nesta semana, publiquei uma reportagem na revista impressa chamada “O filho possível”. Eu e o fotógrafo Marcelo Min contamos a história – e as histórias – de uma UTI neonatal que também cuida dos pais. A Divisão de Neonatologia do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism), da Universidade de Campinas (Unicamp), é talvez o único berçário do Brasil que pratica os cuidados paliativos. Como toda unidade neonatal, trabalha com algo ao mesmo tempo terrível e delicado: a morte de quem acabou de nascer. O fim abrupto de uma vida que existia no imenso desejo dos pais – e que não teve tempo de se realizar. 

Na maioria das unidades neonatais do país, como na maioria dos hospitais gerais, os profissionais acreditam que seu trabalho termina quando não há como curar um paciente. Na neonatologia do Caism, a equipe de saúde acredita que cuidar da saúde é bem mais do que curar. Muitas vezes não dá para curar. Mas sempre dá para cuidar. E cuidar também salva. 

Salva a vida breve do bebê que se vai, ao empreender todos os esforços para que não sinta dor, ao suspender qualquer tratamento invasivo e desnecessário, ao permitir que fique no colo da mãe, do pai, da avó. E salva a vida dos que ficam, ao compreender a dimensão dessa perda para cada família. Ao cuidar com delicadeza dessa morte – e do luto. 

Essa prática de saúde entra oficialmente na agenda da medicina brasileira nesta semana. O novo Código de Ética Médica inclui os cuidados paliativos entre as normas que devem ser seguidas pelos médicos no exercício da profissão. É o início de um caminho de retorno a uma medicina que enxerga uma pessoa – e não uma doença. Capaz de reconhecer limites e suspender procedimentos invasivos quando eles só servem para causar dor aos pacientes ou lhes roubar a consciência. Os profissionais perdem onipotência – e ganham humanidade. 

Os cuidados paliativos surgiram na Inglaterra nos anos 60. No Brasil, é um movimento cada vez mais forte, levado adiante por um punhado de médicos, psicólogos e enfermeiros idealistas, mas ainda distante do cotidiano da maioria dos hospitais. As equipes que trabalham nessa perspectiva cuidam, em geral, de pacientes adultos com câncer e outras doenças com escassas chances de cura. 

Em unidades neonatais, é uma raridade. Se é difícil enfrentar a morte no fim da vida, o fim da vida logo no início é dor condenada ao silêncio. A forma que a sociedade encontra para mascarar seu horror é minimizar a importância dessa perda, dizendo às mães variações de frases como estas: “Não se preocupe, logo você vai ter outro filho” ou “Ainda bem que não deu tempo de se apegar, assim você supera rápido”. 

O que pouca gente parece compreender é que a vida do bebê, para os pais, não começou no seu nascimento. Iniciou muito antes, quando aquele casal sonhou com um filho, concebeu sua existência. E nele depositou suas melhores esperanças e desejos de continuidade. É uma vida muito mais longa do que horas, dias, semanas, meses. Antes de um bebê existir como indivíduo, para os pais ele já é. E é da forma mais cara para os humanos – como desejo. Quando tudo isso é arrebentado por uma morte precoce, se a família não é bem cuidada, ela se arrebenta inteira. 

Para fazer a reportagem, acompanhei famílias nesse processo da doença e da perda. Escutei também mães e pais depois de alguns anos dessa tragédia pessoal. Queria compreender esse momento para poder dar aos leitores a dimensão da importância de cuidar bem do luto. E entender a diferença que a prática dos cuidados paliativos pode fazer nesse fim precoce da vida. O que significa para uma família sepultar um bebê e como uma equipe de saúde pode ajudá-la a seguir adiante. 

Na reportagem, contei a história de outros. Aqui, conto a minha. Acredito que nós, repórteres, que pedimos aos outros a generosidade de compartilhar suas histórias mais íntimas e dolorosas com o mundo, temos de ter a grandeza de nos expor em nossa própria humanidade doída. É o exercício que faço algumas vezes nesta coluna. 

Algumas pessoas acham que me exponho demais. Eu sempre pedi aos outros que se expusessem demais. Não saberia como continuar fazendo este pedido se não fosse capaz de retribuir a generosidade. Não faço pedidos que não possa fazer a mim mesma. Não peço a ninguém algo que eu mesma não possa dar. É como estabeleci meus limites na profissão. 

Sou filha de uma família profundamente marcada pelo luto de uma morte precoce. Minha irmã, a terceira filha dos meus pais, depois de dois meninos, morreu aos cinco meses. Sobre esse momento, minha mãe sempre diz. “Eu chamei o pai para vê-la brincando no banho à tarde. À noite ela estava com febre e com manchas pelo corpo. No outro dia, estava morta”. 

Acho que hoje, prestes a completar 75 anos, minha mãe ainda não compreende como é possível perder uma filha assim. Ainda mantém no rosto aquela expressão confusa, de alguém que, de repente, teve uma parte de si mesma roubada com uma violência desproporcional. No velório, ela surpreendia a si mesma olhando no relógio para ver se não estava na hora da mamadeira. Só então se dava conta de que era seu bebê que estava no caixão. 

Minha irmã esteve neste mundo, de fato, por cinco meses – mas sua morte vive com minha mãe e com todos nós há quase cinco décadas. Eu fui a quarta e última filha. Não conheci minha irmã. Para mim, ela sempre pareceu mais viva do qualquer outra pessoa. Penso, com tudo o que sei hoje, que esta presença tão forte foi causada por um luto insepulto. Minha irmã morreu de meningite meningocócica. Mas o diagnóstico só chegou dez anos depois de sua morte. Até então, os médicos não entendiam o que a havia matado. De repente, tão rápido. 

Minha mãe passou anos se perguntando o que havia feito de errado. Hoje, ao conversar com mães que perderam seus bebês, percebo que elas também se perguntaram. E se culparam. Só superaram porque tiveram a sorte de encontrar profissionais conscientes de seu lugar nesse luto. Uma das missões mais importantes de uma boa equipe de saúde é exatamente dar acesso a todos os exames e a toda possibilidade de investigação, para que não paire nenhuma dúvida sobre o diagnóstico. Esclarecer a causa da morte com o maior número de informações qualificadas é fundamental para que a perda possa ser superada. E que culpas infundadas não se instalem como pedras pelo resto da vida. 

Em Ijuí, no início dos anos 60, os médicos não tinham nenhuma ideia do que havia acontecido com minha irmã. E a cidade pequena, como a literatura conta tão bem, pode ser o mais cruel dos mundos diante da fragilidade do outro. Logo circularam pela cidade as mais variadas versões sobre o que tinha matado minha irmã. Em uma delas, minha mãe havia deixado leite estragado na mamadeira. Como se não bastasse toda a dor e as perguntas sem respostas, minha mãe era apontada como culpada por alguns. Permaneceu mais de um ano em depressão profunda. 

Quando o diagnóstico finalmente chegou, já era tarde para preencher o buraco que se abriu dentro dela. E nós, que sobrevivemos, estávamos acostumados demais a conviver com uma filha para sempre perfeita que, infelizmente, nunca teve a chance de errar. A dor dos irmãos daquele que morre ainda é um capítulo nebuloso na história do luto. Ainda hoje, eles são esquecidos na hora de cuidar da família. Nasci com a missão impossível de apagar a dor da minha mãe, de todos. Logo eu, tão imperfeita. Passei boa parte da vida culpada por fracassar e sobreviver. 

Acho que só agora, depois desta reportagem, compreendo minha mãe por inteiro. Ela foi massacrada demais para ter a chance de sepultar minha irmã. Da forma que lhe foi possível, empreendeu seus melhores esforços para mantê-la viva. O que aconteceu com nossa família ainda acontece muito nos dias de hoje, nas pequenas e nas grandes cidades. Acontece sempre que a dimensão dessa perda não é compreendida ou tratada. Sempre que uma equipe de saúde se equivoca – e pensa que seu trabalho acaba quando o bebê morre, apesar de todos os esforços de cura. 

Numa visão mais larga da saúde, a função de uma equipe é ajudar essa família a sepultar – também simbolicamente – esse bebê. É importante que essa vida seja não esquecida – mas lembrada como uma história que, apesar de curta, teve bons e maus momentos, como todas as vidas. Lembrada em fotos e recordações como parte da trajetória daquela família. Uma trajetória que segue. 

Para isso, é necessário abarcar a dimensão dessa perda. Passei parte da minha vida sem entender como alguém que só tinha vivido cinco meses, que morreu antes de falar uma única palavra, pudesse ser tão importante. Quando, depois de adulta, testemunhei amigas que perderam seus bebês, ainda na gravidez, também não entendia por que sofriam tanto. Afinal, aquela criança nem tinha existido. 

Só agora alcanço o tamanho da minha ignorância. A vida de um bebê começa sempre muito antes, na cabeça de cada pai, de cada mãe. E inicia por suas mais caras esperanças. Quando termina, é óbvio que só pode ser avassalador. Se esses pais, essa família, não forem cuidados, perdem partes essenciais de si mesmos – partes sem as quais não conseguem viver por inteiro. 

Sempre acreditei que meu pai havia sofrido menos que minha mãe por essa morte. Ele raramente falava no assunto. Minha irmã não parecia tão presente em sua vida, o que me dava enorme alívio. Há dois anos, resolvi registrar a história dos meus pais. Eles me contam a vida, eu gravo. Tenho feito descobertas extraordinárias nesse processo. Uma delas foi a dor do meu pai. 

Ele me contou, rosto contraído e voz embargada, que o maior sofrimento de sua vida foi a morte da minha irmã. Fiquei paralisada. Aquele homem, que ficara órfão de pai e mãe antes dos 15 anos, que havia perdido quatro irmãos ainda na infância, me dizia que a maior dor de sua vida foi perder seu bebê. 

Só então comecei a compreender. Ao fazer esta reportagem, testemunhei o lugar ambíguo dos homens na morte de um bebê. Há um reconhecimento social de que, por ter gerado, a mulher é, se não a única, a maior sofredora. Muitas vezes seu sofrimento é tão aniquilador que não deixa espaço para a dor do homem, do pai daquele bebê. 

O homem, que foi educado para suportar a dor em silêncio, para proteger a mulher, para ser o provedor e o esteio – e ainda hoje estes papéis são mais cimentados do que parece – aceita esse lugar menor no luto. Como dor não se joga para debaixo do tapete impunemente, essa incompreensão mútua costuma gerar muita confusão e conflitos. E às vezes até o fim do casamento. 

Acho que meu pai, à sua maneira, deu um lugar para essa morte, para o seu luto. Ele tem uma caixinha de madeira, com chave, bem antiga, onde mantém a salvo pequenas preciosidades de uma vida inteira. Dia desses descobri que lá dentro, junto com as medalhas do colégio, ele guarda a participação de falecimento da minha irmã. Impecavelmente recortada e até hoje em perfeito estado, como tudo que é dele. Minha irmã é lembrança, parte de sua travessia. 

Ao terminar esse texto, enviei aos meus pais para que eles me autorizassem a contar uma história que também é minha – mas é deles. Algumas horas depois meu pai me ligou. Profundamente comovido, ele queria me contar um pouco mais. Para que eu pudesse alcançar. “Na noite após o enterro houve um temporal terrível em Ijuí, com raios e trovões”, disse. “Nós queríamos protegê-la e não podíamos. Ela estava lá, sozinha, e não podíamos cuidar dela”. Prestes a completar 80 anos, meu pai ainda sofre com sua impotência diante da morte da filha. Seu bebê enterrado, debaixo da tempestade. 

Conto tudo isso aqui porque acredito que, se minha família tivesse tido a chance de ser bem cuidada na sua perda e no seu luto, teríamos sido poupados de muita dor e desencontros. Ao fazer a reportagem, não pude deixar de pensar como nossa vida teria sido diferente se, num rasgo do tempo e do espaço, tivéssemos encontrado a pediatra Jussara Lima e Souza, da neonatologia do Caism, e a equipe dos cuidados paliativos. 

Destinos são alterados para melhor quando uma equipe de hospital compreende que saúde é algo bem mais amplo do que tentar curar alguém de vírus, bactérias, tumores e doenças variadas. Infelizmente, a medicina nunca vai conseguir curar tudo. Médicos honestos sabem que se cura muito pouco ainda. Infelizmente, homens e mulheres, a cada ano, vão continuar perdendo bebês. Se, depois de todas as tentativas, não houver como salvá-los, é preciso compreender que, pelo menos, é possível salvar aquela família. Cuidando dela. 

Conto esta história na esperança que, agora e no futuro, homens e mulheres possam ter a chance de ser compreendidos na enormidade da sua perda e fazer um luto que torne possível seguir a vida. Transformar a dor em algo ativo é parte da superação da perda. De certo modo, é o que tento fazer aqui. Escrevo para transformar. E sou transformada pelo que escrevo. Pego meu luto por tantos desencontros e o transformo em história contada, na esperança de dar a contribuição que me é possível para o início de uma mudança mais profunda do nosso olhar sobre a morte. E sobre a vida. 

P.S. – Quem quiser saber mais sobre os cuidados paliativos, finalmente contemplados no Novo Código de Ética Médica, pode ler e assistir às seguintes reportagens: 

- A enfermaria entre a vida e a morte

- A mulher que alimentava

- Minha vida com Alice

- Conheça a rotina de uma enfermaria que cuida de pessoas no fim da vida em São Paulo

* Post dedicado especialmente ao pai da Helena... meu grande amor... E também ao irmão da Helena, Que a minha dor jamais suplante a realidade da dor deles.

19 de janeiro de 2016

Aquilo que me salva no luto

Esse é um inventário de tudo o que me faz bem. Aprender a identificar o que nutre a minha alma foi um ótimo exercício, pois posso recorrer a alguma dessas opções sempre que precisar. Mas acho que pode ter mais, muito mais...

- Contato físico

Carinho e cafuné. Cafuné, meu marido sabe fazer muito bem. Medalha de ouro pra ele! Imbatível! Te amo, Lê! Sem ironias. E beijos, muitos beijos... Esses são do Henrique. Meu coração pula de alegria toda vez que recebo uma chuva de beijos do meu filho.

Mas aquele abraço um pouco mais demorado e apertado, um tapinha no ombro para me aquecer, e depois um olhar carinhoso...  Eu simplesmente penso: “essa pessoa está olhando para mim! Ela está me enxergando! Eu tenho um colo aqui!” Esse abraço vem com tanto coração que eu consigo sentir esse afeto. Isso me faz muito, muito bem!

- Mensagens

Hoje não ocorrem com frequência. Afinal faz 5 meses (!).  Mas depois que tudo aconteceu, mensagens do tipo: “Estamos aqui!”, “Como você está?”, “Precisa de alguma coisa?”, “Estou com você”, e imagens de flores, corações e beijos me salvaram. De verdade! Simples e eficaz! Palmas ao inventor do “WhatsApp”!

- Histórias semelhantes com final feliz

Acho muito bom quando me contam que a amiga, da amiga, da amiga enfrentou uma situação igual ou parecida, e hoje está bem. Tem “centos” filhos!  Penso: “ também posso sobreviver a isso!” e “não somos  a única família a passar por uma perda gestacional”. Mas só vale se forem finais felizes. 

 - Grupos virtuais de perda gestacional

É o único lugar onde encontro pessoas que realmente entendem como estou me sentindo. Embora às vezes não participe tão ativamente quanto eu gostaria, só as histórias já me ajudam prosseguir. Eu me sinto compreendida.

- Empatia

Minha cunhada e uma prima estão grávidas. A primeira da Sophie e a segunda do Pedro.

Eu e minha cunhada já conversamos a respeito, e lamentamos que a Helena e a Sophie não irão se conhecer. Queríamos que pudessem crescer juntas. Além disso, sinto muitíssimo porque minha sogra não está aqui conosco (embora acredite em sua presença espiritual), especialmente para dar todo o apoio que a filha precisa agora. Quando nós duas abrimos nossos corações e reconhecemos o quanto tem sido difícil, foi curativo. Isso se chama empatia. Tenho ajudado minha cunhada no que é possível, mas sei que há limites que não conseguirei transpor. Assim eu me sinto livre para curtir a chegada da Sophie, também tão amada, seguindo os limites do meu coração (embora saiba não serem estreitos, mas largos, porque ambas merecem!).

Sobre a minha prima: eu abri o meu coração, e ela foi muito solidária e compreensiva. É muito bom sentir esse acolhimento.

- Lágrimas

Ver alguém se sensibilizar pela morte da Helena é muito especial. Eu me sinto acolhida. Sinto que essa dor é real, e que está tudo certo me sentir mal de vez em quando. Agora é a hora de chorar. As lágrimas curam, e eu aprendi sobre o seu poder no livro “O cavaleiro da armadura enferrujada”.

Quando essas lágrimas vêm dos profissionais que me auxiliam, elas têm ainda mais valor. Sinto muita gratidão por todas elas! Reconheço a dor e o carinho que sentem por nós e por nossa filha.

- Presentes

Ah, todos gostam de presentes né? Foi muito bom receber flores, anjos, cartões e pedaços de bolo logo após a perda da Helena. Mas poderia ser mais. Quando nasce um filho, ele ganha uma roupinha e a gente um vasinho de flor, não é? Senti falta das flores, pois me deixariam alegre nos dias difíceis... Espero que essa dica possa valer para alguém que deseja fazer algo por uma família e não sabe o quê. Acompanhe-as de um cartão do tipo “Amamos vocês!”, “Carinho!”, “Estamos aqui!”, e terá muita gratidão. Sempre no plural. Lembre-se do pai e do irmão!

- Falar da Helena

Ninguém pode dizer algo da Helena que eu não saiba. A não ser que seja uma questão espiritual (para aqueles que acreditam). Mas já ouvi que ela veio para trazer muita luz, que ela ensinou muita coisa mesmo em sua breve passagem. É bom saber que ela tem um significado especial na vida das pessoas. Se esse for o seu caso, compartilhe sempre! O que a breve passagem da Helena significa para você? Eu quero saber!

- Recolhimento

Não tem jeito. O movimento é sempre para dentro, nunca para fora, quando perdemos alguém. Eu evitei isso após a morte do meu irmão e da minha sogra. Agora, resolvi seguir esse fluxo. Ficar quieta. Ouvir música, ler um livro, fazer mandalas, escrever, assistir filmes. Geralmente é disso que preciso. Aliás, nós três.

- Meditação

Respirar, respirar e respirar... Profundamente... Com uma música suave ou apenas o silêncio. Eu me conecto e me sinto viva!

- Projetos

Enquanto vou me despedindo da Helena, deixo novos projetos aflorarem. Como o grupo de leitura do livro “Mulheres que Correm com os Lobos”, que organizei junto com uma amiga. O grupo não é à toa, pois um círculo de mulheres é extremamente curativo. No começo, ia arrastada. Hoje eu percebo que ele me nutre.

- O Blog

No início não quis divulgar porque estava muito insegura, e meus sentimentos bastante confusos. Hoje ele se tornou um lugar muitíssimo especial, e que tem me ajudado. De uma maneira positiva, ele se tornou o meu “mapa do luto”. É o registro fiel da construção daquilo que me tornarei a partir dessa experiência tão difícil.

Acredito que haverá um momento em que esse turbilhão de sentimentos vai cessar. E talvez fique algo como o diamante depois da pedra bruta.

- Oração

Sem pedidos. Apenas conexão com o “Amor Maior”.

- Conversar com a Helena

Muito carinho e amor. Especialmente muito amor!

- Vinho

De preferência, tipo Cabernet Sauvignon... e da marca Santa Helena (!). Se quiser, pode mandar entregar em casa ou no escritório (mando o endereço por email). Não, isso não é uma piada!

Talvez certos itens sirvam de inspiração para alguma mãe/pai. Os demais são tanto para agradecer às pessoas que foram e permanecem sensíveis ao nosso momento, quanto para inspirar aquelas que desejam fazer algo e não sabem o quê.

Afinal, não seguimos nessa vida sozinhos. Precisaremos sempre do apoio e carinho daqueles que amamos. Especialmente nos momentos difíceis.

Gratidão por tudo!

14 de janeiro de 2016

Sonata ao Luar - Beethoven

Essa sempre foi a minha música  preferida ao piano.

Cheguei a tocar uma versão facilitada, e mesmo com os acordes mais simples meu coração pulsava diferente com a melodia.

É a canção da minha alma.

Aprendi que a arte é um dos caminhos que posso trilhar para curar minhas feridas... Tenho mergulhado em diversas formas de arte, emergindo cada vez mais consciente, equilibrada e poética ao mundo "real".


13 de janeiro de 2016

A última foto...

Quando eu estava no Hospital, a enfermeira da equipe de parto disse que tirou uma foto da Helena peladinha...

Pedi para enviar mas respondeu que ela não estava em um ambiente muito acolhedor... Que talvez não fosse bom para mim naquele momento. Nessa imagem, também aparecia o cordão com o nó que interrompeu o fluxo sanguíneo entre nós.

Mas eu tive coragem de pedir essa foto. E torci para que ainda estivesse disponível.

Foi tirada quando medida e pesada (51cm e 3600Kg), então estava sobre um lençol hospitalar. Bastante roxinha pela interrupção do oxigênio.

Apesar de não ser a foto mais bela que poderia ter, foi aquela que me possibilitou conhecer seus pés, mãos, peito, coxas, braços... E a sua "xoxota"... Foi tão mágico descobrir que teríamos um casal, que embora não houvesse dúvida sobre o sexo da nossa caçula, era algo que eu queria conferir após o parto (risos). 

Helena era uma linda e forte bebê. O nariz idêntico ao do irmão. Cabelos abundantes e pretos (diferentes do Henrique, que eram poucos e mais claros).

Com um semblante de paz...

Filha, descobrimos que podemos amar profundo e largo depois que você chegou e partiu.

Que existe um amor além do tempo e do espaço onde vivemos.

PS: Há exatos 5 meses, Helena nasceu em silêncio...


12 de janeiro de 2016

Mensagem - tia Jú


Helena,

Um passarinho me contou que o sol é bem quentinho de manhã, e que dá para comer fruta perto do pé, e andar descalço te conecta com o mundo.
Quando o vento bate no rosto é um convite pra dançar.
Disse ainda que a vida é colorida, e que a sua será cheia de descobertas, conexões, alegrias, aprendizados e muitas possibilidades.
Também contou que você veio ao mundo para trazer mais alegrias para um menino generoso, para uma mãe forte e sensível, e para um pai dedicado.
Quando ele disse tudo isso, meu coração se encheu de alegria e de te contar que não vejo a hora de te conhecer, e que desejo que seus olhos, mente e coração 
sejam abertos para tudo que existe de bom.
Que os brilhos dos seus olhos iluminem seu caminho e reflitam o amor de sua família por você.
Que sua vida seja simples e divertida, mas plena de sentido e de lindas experiências.
Espero poder compartilhar de muitos momentos de sua vida.

Seja muito bem-vinda!

Beijos,

Tia Jú

Chá de Bênçãos da Helena - 05/07/2015

11 de janeiro de 2016

Pensamento de Jung

Sigo um blog muito lindo, rico e cheio de alma: "O Feminino e o Sagrado".

As escritoras, terapeutas junguianas, postam diversos trechos dos pensamentos de C. G. Jung (cuja obra muito admiro e reverencio).

Esse, do dia 08/01, tem o formato perfeito daquilo que se passa em meu coração. Atente-se à explicação entre parênteses, pois adequei a fala à minha experiência:

"Foi só depois da morte daqueles que amo (da minha doença, na fala de Jung) que compreendi o quanto é importante aceitar o destino. Porque assim há um eu que não recua quando surge o incompreensível. Um eu que resiste, que suporta a verdade e que está à altura do mundo e do destino."


Bem... Eu estou nesse caminho. O caminho de não "quebrar" e permanecer íntegra com as perdas. E as perdas a que me refiro não são apenas daqueles que amo.

Há algum tempo notei que a vida é um eterno ciclo do ganhar e perder, uma sucessão de feridas e curas.

Que a gente observe, reflita, e aprenda com esse movimento.

Sobretudo, que tenhamos uma vida mais alegre e autêntica proveniente desse saber.


9 de janeiro de 2016

Acolhendo a dor

Quero olhar de frente
a minha dor
E explorar cada faceta sua...

Vou tocá-la,
Sentir o seu cheiro
e virá-la do avesso

Conhecerei cada fresta,
buraco, lado
Cada poeira depositada sobre si

Então, familiarizada com seus abismos,
não mais precipitarei assustada ou surpresa
em qualquer um deles

Conversarei com a minha dor,
nas noites insones
e nos dias melancólicos

Interrogá-la-ei, 
pedindo-me que responda:
"O que pretendes de mim?"

Desse modo, meu coração não entrará em colapso
quando ela me gritar no peito
exigindo atenção

Dormirei ao seu lado cantando-lhe belas canções, 
para despertar serena
dos pesadelos que provocou

E então, 
finalmente atadas pelo nó da lealdade,
conquistar-lhe-ei o afeto 

Guardando apenas uma vaga lembrança
dos meus dias de vazio...
e de temor...

*poema escrito em uma noite insone


3 de janeiro de 2016

Carta de Natal

Reproduzo aqui, a carta que escrevi para a Helena na noite de Natal:

Querida filha...

É véspera de Natal e não está em meus braços.
Mas sou muito grata por ter me escolhido como mãe. Sou muito grata por compartilhar com você a difícil missão de nos separarmos de forma tão precoce.
Filha, desejo com toda a força do meu coração e espírito que tenha um lindo e abençoado Natal. Que sua luz resplandeça em todos aqueles que ama e que o amor de Jesus renasça em seu coração.
Sempre estarei aqui, minha querida, honrando a sua memória e dignificando sua passagem entre nós.
Espero cumprir com louvor o compromisso de ser a mãe que você precisa.
Não há despedidas definitivas entre aqueles que se amam verdadeiramente.
Estamos ao seu lado, e você está sempre em nossos corações.
Sinta-se acolhida em meus braços repletos de amor.
Sinta os meus beijos, meus carinhos e o meu calor.
Eu te amo,
O papai te ama,
Seu irmão te ama...

Feliz Natal com paz, luz e amor!!!

Mamãe
24/12/15