30 de junho de 2016

Em busca de um Caminho

Embora estivesse sem qualquer inspiração para escrever no blog, meu caminho de auto-cura prosseguiu.

Mesmo na aridez do meu deserto do luto*, bebi de algumas fontes que me mantiveram no propósito da regeneração.

Esse filme foi recomendado por minha terapeuta e gostei muito dele.

Parece que é baseado em um livro de mesmo nome, cuja história é a de um pai que perdeu o filho no Caminho de Santiago de Compostela.

Um dos meus sonhos é fazer essa peregrinação. Por isso, gostei muito de conhecer a paisagem e a Igreja... 

Recomendo, embora a filmagem pareça de um filme antigo. Não sei o por quê da qualidade duvidosa. Vale pela história e paisagens e está disponível no Netflix.

* Esse termo é utilizado pela Camila, no livro "Até Breve, José"... Apropriei-me dele porque é realmente perfeito.

27 de junho de 2016

Fogo

Foi diante dessa fogueira, há praticamente um ano atrás, que comecei a sentir as primeiras contrações de treinamento da Helena.

Naquela noite, vibrei de contentamento diante da natureza seguir seu ritmo em meu corpo.

Tudo no seu curso normal... Tudo conectado através do mais puro amor.

A fogueira desse ano não foi capaz de aquecer o meu ventre e colo vazios.

Fiquei triste.

E na mesma noite sonhei com as verdadeiras contrações do trabalho de parto.

Era a Helena ou outro bebê?

Não sei... Mas eu estava a desejar nosso final feliz... 

26 de junho de 2016

Para passar dói tanto...

Eu li o texto abaixo em uma página do facebook logo após finalizar uma mandala (que há tempos não fazia)...

Quando percebi a autoria, notei a incrível coincidência de ter esse livro na minha pequena biblioteca particular.

Bom... É como se as palavras complementassem o desenho.

Quando constatei a ausência da poesia no meu luto, uma sincronicidade poética aconteceu para mim:


PERCEBER PROFUNDO
(livro Viva Zen, p. 14 e 15, Monja Coen)

"Isso me lembrou uma antiga história. Vou contá-la.

No silêncio da noite, ela se movia como uma cobra. Silenciosa e sinuosa. Seu riso era manso e seu passo macio. Quem a visse se encantava com os olhos profundos e a língua afiada. Não levava desaforo para casa. Não engolia sapo. Que contradição.

Até que ele chegou e se insinuou em seu coração. De frio, o sangue jorrou quente, pareciam cascatas nas veias, no coração. Apaixonou-se, entregou-se, perdeu-se. Depois, ele se foi. Ela começou a procurar. Só que não procurava por ele, mas procurava por ela mesma. Onde teria estado? Quem era? O que queria? O que é a vida?

Quanto mais questionava, mais se enredava. Como se comesse a própria cauda, girava em torno de si mesma. Repetia padrões e ações. Amava e desamava mais facilmente que todas as amigas. Sofria, enciumava, brigava, ficava só e chorava. Depois tornava a se arrumar, a sair, a procurar.

Um dia aconteceu. Quando menos esperava, percebeu o sonho em que se enredara. Parou de procurar em outras pessoas aquilo que só nela encontrava. Ficou tranquila de tudo, sorrindo de novo para o mundo. Já não se importava de engolir sapos. Tudo fazia parte desse perceber profundo.

A respiração, o ar, o corpo, os odores e o mar. Falaram sobre reencarnação. Ela falou do renascimento. Contou do mar e suas ondas, das águas que são gotas a girar. Gotas que formam marolas, ondas enormes, espuma e tornam voltar a ser mar. Sem nunca haver deixado de sê-lo.

Qual seria o princípio, o início, a causa número um desse constante desabrochar? Como Xaquiamuni Buda, ela soube silenciar. Dedicou-se a cuidar das pessoas, das coisas, dos animais, da terra e dos vegetais. Cuidava dos passarinhos, dos cupins e dos golfinhos. Todos eram exatamente iguais.

Importantes pois que, sendo, permitiam que ela fosse e compreendesse a grandeza do saber de interser. Percebeu que jamais ficava só. Pois havia o ar, as estrelas e o luar. Pernilongos e formigas fazem parte do grande tear.

No barulho do dia, ela se moveu como um Sol. Brilhante e clara. Seu riso era sonoro, seu mover, silencioso. Quem a visse se encantava com os olhos profundos e a fala calma, pausada.

Então, ele voltou e pediu perdão. Perdão de quê? De ter ido? De ter feito sua vontade? De ter percorrido o mundo num só segundo? Ele chorava e tremia, falava tudo que vira. Guerras e aflições, fomes e convulsões, explorações e mentiras que levavam povos às guerras, à fome, à ruína.

Ela ouvia e o embalava dizendo apenas:

'Isso passa'.

Mas para passar dói tanto, arrebenta, faz ferida.

'Isso passa, veja a vida'.

Ele ergueu os olhos úmidos e percebeu que tudo luzia. As folhas nas árvores, o céu, as nuvens, até os carros. Ainda não convencido perguntou:

'De que serve essa beleza se há dor, se há tumor, se há maldade, heresia?'

'Serve para abrandar o seu dia.'

E ela lhe ensinou a sentar quieto, parado, lhe ensinou a ver com o coração aberto, escancarado, lhe ensinou a agir para transformar sem raiva e sem rancor.

Juntos caminharam felizes, espalhando a toda gente que o mundo tinha mudado, pois muda quando nós conseguimos ver o outro lado. Há frutos para todos compartilharmos. Há respeito e ternura, sem ciúmes nem bravura.

A cultura da paz está chegando para ficar e levar a humanidade a um novo jeito de ser, de servir, de agir, de pensar e de falar.

Um jeito macio e gentil, como a brisa do mar em noite de lua cheia a nos abençoar. Um jeito macio e gentil, como o da criança."

Um texto poético que, para mim, retrata a jornada do herói de cada um...

Quem sou eu?

Eu sou ela e sou ele em seus comportamentos, dúvidas e aflições.

Sou ela e ele, depois que tudo isso passar...

Intersendo. Amando. Semeando. Colhendo.

Um dia... Quando tudo isso passar...

23 de junho de 2016

Cadê a poesia?

Faz tempo que não escrevo aqui...

Mas desde os nove meses da morte da Helena, algo aconteceu.

Sinto uma irritabilidade freqüente, embora muitas coisas tenham melhorado para mim e para minha família. Hoje pela manhã, fiquei refletindo sobre o meu estado emocional.

"Afinal, o que está estranho?"...

Nessa reflexão, eu me dei conta de que a poesia do luto acabou. 

Olhando para trás, percebo que nos momentos mais angustiantes da dor eu extraí certa beleza. Uma mandala, uma poesia, uma música, uma frase, um ritual, um momento especial... 

Agora eu estou no lugar do deserto do luto onde muito caminhei - por isso sei que meu trabalho não foi em vão e que exigiu de mim muita entrega e energia - mas não consigo enxergar o oásis à minha frente.

Estou cansada, com sede, exausta por procurar um sentido de identidade: quem eu fui um dia, deixei em algum lugar e momento dessa caminhada. 

Não me reconheço mais...

E eu penso todos os dias e momentos na minha filha. Que estaria com dez meses, já comendo, engatinhando, ensaiando os primeiros passos... Sendo a luz e a alegria dos nossos dias. Certamente já estaríamos planejando seu primeiro aniversário.

Ontem, estudando com meu filho, pensei como seria estar com ela... Certamente uma loucura  dar atenção aos dois. Talvez o Henrique tivesse ciúmes do trono dividido com a irmã. 

Como entristece me dar conta do que perdemos. 

Eu sou um coração amputado. 

Talvez eu esteja na "crueza" do luto. No vazio de tudo. Eu me esvaziei de mim, depois que esvaziaram a minha vida de pessoas tão amadas: filha, irmão, sogra. Esvaziaram a minha vida da falsa segurança da permanência, e restou-me o "nada" onde apoiar. Com o que eu preencho tudo isso?

Ainda não aprendi a flutuar nesse vácuo, e é o que devo fazer.

Disseram-me que preciso de férias. Férias de mim. Férias de planejar o futuro.

Algo me diz que essa pode ser a fonte do meu oásis interior... Um lugar onde eu possa saciar a sede para, finalmente, chegar ao fim dessa longa travessia.