4 de fevereiro de 2016

Quando a dor se transforma em poema - Rubem Alves

Às vezes sinto inveja de quem consegue expressar melhor do que eu mesma aquilo que sinto.

Essa crônica é uma obra-prima sobre o luto.

O mundo cai. Nada mais faz sentido. Aquela que partiu era a pessoa mais importante da sua vida (ainda que tenham ficado tantas outras, amadas na mesma proporção).

Seguem os trechos especialmente marcantes para mim. 

Mas, leia o texto completo. Sua alma será tocada de uma maneira bastante singela.

Todo mundo já perdeu alguém que muito ama... Se não perdeu, sinto muito, isso um dia inevitavelmente irá acontecer.

E você recordará essas palavras... 

"Vazia das palavras que a dor roubou, a alma se volta para os poetas. Não, na verdade não é bem assim. A alma não se volta para nada. Ela está abraçada com a sua dor. São os poetas que vêm em nosso auxílio, mesmo sem serem chamados. Pois essa é a vocação da poesia: pôr palavras nos lugares onde a dor é demais. Não para que ela termine, mas para que ela se transforme em coisa eterna: uma estrela no firmamento, brilhando sem cessar na noite escura. É isso que o amor deseja: eternizar a dor, transformando-a em coisa bela. Quando isso acontece, a dor se transforma em poema, objeto de comunhão, sacramento."

"Sei que minhas palavras são inúteis. A morte faz com que tudo seja inútil. Olho em volta as coisas que amo, os objetos que me davam alegria, o jardim, a fonte, os CDs, os quadros, o vinho (ah, o riso dele era uma cachoeira, quando abria uma garrafa de vinho!): está tudo cinzento, sem brilho, sem cor, sem gosto. Não abro o vinho: sei que ele virou vinagre. Rego as plantas por obrigação. O dever me empurra: elas precisam de mim. Agrado o meu cachorro por obrigação também. Ele não é culpado."

"Ter um deus forte é saber que, se tivesse querido, ele teria evitado a morte. Se não evitou é porque não quis. Ora, se foi ele quem matou, ele não pode estar sofrendo. Está é feliz, por ter feito o que queria. Assim, ele é culpado da minha dor. Eu e ele estamos muito distantes, infinitamente distantes. Como poderia amá-lo – um deus assim tão cruel? Mas, se ele é um deus fraco, isso quer dizer que não foi ele quem ordenou – ele não pôde evitar. Um deus fraco pode chorar comigo. Ele até se desculpa: 'não foi possível evitá-lo. Eu bem que tentei. Veja só estas feridas no meu corpo: elas provam que me esforcei…'. Ele chora comigo. E por isso nos amamos."



Nenhum comentário:

Postar um comentário